NO corpo

A QUÍMICA DOS HORMÔNIOS SEXUAIS

 

Os hormônios são os sinalizadores para muitas ações no corpo. Qual o papel da Química dos hormônios na geração de vida?

 

Por Carlos Vinícius Pinto dos Santos

 

Figura 1 - Os hormônios atuam como controladores químicos de ações e reações concientes e inconcientes

Imagem: Desconhecido, O Mundo da Química não detém direito sobre esta imagem

 

O hipotálamo e a glândula pituitária (hipófise) regulam e comandam os níveis e períodos dos hormônios durante a vida da mulher. Com cerca de 1 cm de diâmetro e 0,5 g de massa, alojada na base do cérebro, a hipófise é subordinada diretamente ao hipotálamo e se encarrega, em ambos os sexos, de fabricar as chamadas gonadotrofinas, substâncias que induzem os ovários e testículos a liberar hormônios sexuais.

 

Estrogênios

 

O estrogênio é, na verdade, um grupo de hormônios com dezenas de substâncias esteroidais que atuam durante toda a vida da mulher, sendo composto principalmente por estradiol, estrona e estriol. São produzidos principalmente nos ovários, fígado e glândulas suprarrenais1 a partir da puberdade (além da placenta e das mamas durante a gravidez) e são responsáveis, em grande parte, pelas características femininas primárias e secundárias como o desenvolvimento do aparelho reprodutor interno e externo, assim como o desenvolvimento das mamas.

 

Figura 2 - Estruturas químicas do estradiol (esquerda), estrona (centro) e estriol (direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

Estradiol

 

O estradiol é produzido tanto em mulheres quanto em homens. Nas mulheres, sua produção se dá principalmente nos ovários, mas também é sintetizada nas glândulas suprarrenais a partir de colesterol, tendo duas formas, o 17-α-estradiol e 17-β-estradiol (este último o predominante, 40 vezes mais ativo1).

 

Figura 3 - Estruturas químicas do 17-α-estradiol (esquerda) e do 17-β-estradiol (direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

Em homens, é derivado da testosterona a partir da ação da enzima aromatase.

 

Esquema 1 - Conversão da testosterona a estradiol pela ação da aromatase

Imagem: O Mundo da Química

 

Possui importantes funções fisiológicas, atuando na manutenção da elasticidade e sedosidade da pele, proteção do sistema cardiovascular, manutenção de alta densidade óssea, aumento da espessura do endométrio pouco antes da ovulação, formação de muco para ovulação e aumento das contrações musculares nas trompas de falópio para empurrar o óvulo fertilizado até o útero.

 

Estrona

 

A estrona pode ser produzida por duas vias. Na de maior escala, a enzima hidroxisteróide 17-β-desidrogenase utiliza como substrato o 17-β-estradiol para produzir estrona. Essa reação é a responsável pela manutenção dos da relação estradiol/estrona em níveis normais, uma vez que a reação é reversível1. A estrona também pode ser produzida na placenta e nas glândulas suprarrenais, sendo esta a única fonte de estrogênio para mulheres após a menopausa, utilizando gordura como substrato.

 

Figura 4 - Proteína 17-β-desidrogenase

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Também é encontrado em homens, derivado de androstenediona a partir da ação da enzima aromatase.

 

Esquema 2 - Conversão da androstenediona a estrona pela ação da aromatase

Imagem: O Mundo da Química

 

Pode ser sintetizado em uma reação enantiosseletiva de Diels-Alder entre o dieno de Dane (7-metóxi-4-vinil-1,2-diidronaftaleno) e metilciclopentenodiona2:

 

Esquema 3 - Exemplo de síntese total da estrona

Imagem: O Mundo da Química

 

Apesar de ser menos abundante e menos potente que o estradiol, a estrona possui ação semelhante ao estradiol no corpo humano. Porém, quando este tem sua síntese diminuída drasticamente após a menopausa, é a estrona que passa a atuar, especialmente na proteção do sistema cardiovascular3.

 

Estriol

 

O estriol é produzido a partir da estrona pela placenta e em pequenas quantidades pelo fígado, mas durante a gestação suas quantidades podem aumentar em mil vezes. Isso ocorre porque o feto, através de seu fígado, passa a processar a estrona da mãe em estriol4. Devido à participação do feto, sua importância cresce durante a gravidez por ser um sensível indicador da saúde do feto.

 

Progesterona

 

Ao contrário dos estrogênios, que têm sua produção envolvida fortemente com o ovário, a progesterona é sintetizada a partir do colesterol do sangue1. Durante o ciclo menstrual, tem ação logo após a ovulação, mantendo a espessura do endométrio induzido pelo estradiol pelos 14 dias, na chamada fase lútea. É nessa fase em que o zigoto pode se aderir à parede do útero e começar seu desenvolvimento.

 

Figura 5 - Estrutura química da progesterona

Imagem: O Mundo da Química

 

Após a fecundação com sucesso, é o principal hormônio durante a gravidez. A progesterona é um potente anti-inflamatório, o que pode ajudar a enfraquecer o sistema imunológico para não ocorrer rejeição ao feto. Mantém o endométrio saudável e evita a contração do útero por ser um relaxante da musculatura lisa, diminuindo espasmos, mas que pode retardar o esvaziamento gástrico gerando azia e refluxo, levando ainda à constipação. Também aumenta a oleosidade da pele, assim a aparição de acnes se torna comum. Possui função termogênica e tem ação no sistema nervoso melhorando a memória e as capacidades cognitivas.

 

hCG (Gonadotrofina coriônica humana)

 

A Gonadotrofina coriônica humana, ou hCG (human chorionic gonadotropin), é um hormônio glicoproteíco composto por duas subunidades. A subunidade α é idêntica aos hormônios luteinizante (LH), folículo estimulante (FSH) e estimulante de tireóide (TSH), enquanto que a subunidade β é exclusiva nesta estrutura. A subunidade α possui 92 resíduos de aminoácidos, enquanto que a subunidade β possui 145 resíduos.

 

Assim, a precisão e exatidão do teste de gravidez estão baseadas na busca pela estrutura β-hCG.

 

Figura 6 - Proteína gonadotrofina coriônica humana (hCG)

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A concentração de hCG no soro e na urina da mulher aumentam rapidamente no início da gravidez, sendo um bom marcador para testes de gravidez. É o único hormônio exclusivo da gravidez5, tornando excelente a exatidão o teste de gravidez pela análise de hCG, sendo o único exame que comprova a gravidez.

 

Figura 7 - Correlação entre níveis de hCG e naúseas durante a gravidez

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Estudos5 têm demonstrado que parece haver uma forte ligação entre os teores séricos de hCG e os típicos enjoos de começo de gravidez, sendo de fato um bom critério para suspeita e procurar exames comprobatórios.

 

Sua função é manter o corpo lúteo, do qual são secretadas a progesterona e estrógenos (estranodiol, em especial). Inibe a menstruação e nova ovulação, sendo essencial no início da gestação. Após as primeiras semanas sua produção cai vertiginosamente. Pode ser doado a outras mulheres que estejam em tratamento para ter filhos, através da doação de urina dos primeiros 4 meses.

 

LH (Hormônio luteinizante)

 

É sintetizado e segregado pelos gonadotrofos da adenoipófise e sua regulação é feita pela hipófise a partir do hormônio libertador de gonadotropina (GnRH). O LH (luteinizing hormone) é uma glicoproteína formada por duas subunidades. A subunidade α é idêntica aos hormônios gonadotrofina coriônica humana (hCG), folículo estimulante (FSH) e estimulante de tireóide (TSH), enquanto que a subunidade β é exclusiva nesta estrutura. A subunidade α possui 92 resíduos de aminoácidos, enquanto que a subunidade β possui 120 resíduos.

 

Figura 8 - Estrutura química do hormônio luteinizante (LH)

Imagem: O Mundo da Química

 

Possui relação de controle com o estradiol, de modo que a alta de estradiol mantém os níveis de LH baixos.  Isso é verdade na maior parte do tempo, inclusive durante a gravidez, mas na ovulação o controle é invertido: o crescimento súbito da produção de estradiol pelo folículo dominante dá origem à rápida liberação de GnRH, resultando numa afluência de LH. Em seguida, esse estradiol acaba por reprimir o GnRH no hipotálamo, resultando no decréscimo de seus níveis séricos. Isso proporciona um ambiente mais favorável ao crescimento dos folículos, prevenindo a luteinização prematura.

 

Atua na regulação do desenvolvimento, crescimento, maturação na puberdade e dos processos reprodutivos. É um dos hormônios essenciais na preparação do útero para receber e fixar o zigoto. Atua ajudando o óvulo a romper a casca folicular, tendo seu pico de concentração no dia da ovulação e voltando a níveis basais rapidamente.

 

FSH (Hormônio folículo estimulante)

 

O FSH (follicle-stimulating hormone) está intimamente ligado ao LH, sendo também sintetizado e segregado pelos gonadotrofos da adenoipófise de acordo com as concentrações de LH. Glicoproteína formada por duas subunidades, com a subunidade α idêntica aos hormônios gonadotrofina coriônica humana (hCG), hormônio luteinizante (LH) e estimulante de tireóide (TSH) e subunidade β exclusiva nesta estrutura. A subunidade α possui 92 resíduos de aminoácidos, enquanto que a subunidade β possui 111 resíduos.

 

Figura 9 - Estrutura química do hormônio folículo estimulante (FSH)

Imagem: O Mundo da Química

 

Seu controle está ligado às concentrações de LH, de modo que se há alta de LH, activinas são liberadas e a produção de FSH aumenta também. É responsável pelo crescimento e maturação dos folículos ovarianos durante a ovogênese. Durante a fase folicular, o hipotálamo exerce influência sobre a glândula pituitária, gerando um pico de LH e a liberação de FSH, que faz com que o folículo de Graaf se rompa e libere o óvulo, resultando na ovulação. A secreção de LH e FSH diminuem durante a fase lútea.

 

A inibição específica do FSH ocorre pela produção de inibinas. As inibinas são afetadas negativamente pelo GnRH e positiviamente pelo acréscimo de fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1).

 

TSH (Hormônio estimulante de tireóide)

 

Produzido pela adenoipófise, a tirotropina, ou TSH, regula a produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina) e sua ação é autorregulada pelas concentrações de T3 e T4 livres. O T4 é convertido em T3, que tem maior atividade no metabolismo, 80% no fígado e o restante na própria tireóide6.

 

Figura 11 - Estruturas químicas da tiroxina (T4, esquerda) e da triiosotironina (T3, direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

O TSH é composto, a exemplo do hCG, de duas subunidades α e β. A subunidade α (gonadotropina coriônica alfa) é quase idêntica à da gonadotropina coriônica humana (hCG), hormônio luteinizante (LH) e hormônio estimulante do folículo (FSH). À subunidade α é atribuída pelo estímulo ao adenilato-ciclase (envolvendo formação de cAMP). A cadeia α tem uma sequência de 92 resíduos de aminoácidos. A subunidade β (TSH-β) é exclusiva no TSH, tendo especificidade determinante para seu receptor. Sua cadeia possui 118 resíduos9.

 

Figura 12 - Estrutura química do hormônio estimulante da tireóide (TSH)

Imagem: O Mundo da Química

 

Apesar de ser produzido e secretado por toda a vida, o TSH é especialmente produzido nas fases de crescimento rápido, como na puberdade e durante a gravidez. Durante a gravidez, o prolongamento de altas concentrações de hCG pode produzir uma condição transitória denominado hipertireoidismo gestacional9.

 

Prolactina

 

A prolactina, ou luteotropina, é um hormônio secretado pela adenoipófise e estimula a produção de leite pelas glândulas mamárias e o aumento das mamas. Durante a lactação, chega a alcançar 20 vezes os níveis plasmáticos habituais. Tem efeitos fisiológicos, como a manutenção do sistema imunológico, e também comportamentais, como inibição da libido e estimulação do comportamento protetor nos pais7.

 

Figura 13 - Proteína prolactina

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Caso não haja gravidez, o uso de medicamentos, em especial os anticoncepcionais orais combinados e as drogas antipsicóticas do grupo dos antagonistas da dopamina (principal neurotransmissor envolvido na inibição da secreção de prolactina) aumenta a produção de prolactina. Esse aumento provoca a hiperprolactinemia que causa alteração menstrual e infertilidade.

 

Juntos, os estrogênios e progesterona ajudam a controlar o surgimento de leite materno, inibindo a resposta dos seios para ao hormônio prolactina7.

 

Os Hormônios no Parto

 

A ocitocina é um hormônio produzido no hipotálamo que possui diversas funções no organismo. A princípio, não existem receptores de ocitocina na musculatura do útero, porém com a aproximação do momento do parto esses receptores passam a ser numerosos. Não há relação entre a quantidade de receptores, níveis de ocitocina e a determinação do momento do parto.

 

Figura 14 - Estrutura química da ocitocina

Imagem: O Mundo da Química

 

O excesso de estrogênios ainda presentes e ocitocina estimulam a produção de prostaglandinas8, que atuam promovendo a contração do endométrio junto com a ocitocina9.

 

Figura 15 - Estrutura química da prostaglandina

Imagem: O Mundo da Química

 

No momento do parto, grandes quantidades de ocitocina são liberadas, promovendo as contrações musculares uterinas, reduz o sangramento e estimula a liberação de leite materno8. Durante o parto pode ser injetado hormônio sintético, que tem exatamente as mesmas propriedades do natural, para estimular as contrações caso haja dificuldades no trabalho de parto, devendo ser injetado em um músculo grande (como os glúteos) ou intravenosamente.

 

Há discussão sobre o uso de medicamentos e hormônios durante o parto normal. Os medicamentos utilizados visam o bem-estar dos pacientes e, desde que utilizados com a cautela necessária, é esperado que faça bem. O desejo de grupos puristas por um parto verdadeiramente normal é compreensível, entretanto essa decisão pode incorrer em complicações desnecessárias ou até mesmo na perda de vidas.

 

Referências

 

1 HALBE, H. W.; Biossíntese dos estrogênios, Revista de Medicina, Vol. 69, Nº4, pag. 226-234

2 WEIMAR, M.; DÜRNER, G.; BATS, J. W.; GÖBEL, M. W.; Enantioselective Synthesis of (+)-Estrone Exploiting a Hydrogen Bond-Promoted Diels-Alder Reaction, J. Org. Chem., Vol. 75, Nº 8, pag. 2718-2721

3 SILVA, T. C.; BARRETT-CONNOR E.; RAMIRES, J. A.; MANSUR A. P.; Obesity, estrone, and coronary artery disease in postmenopausal women, Maturitas, Vol. 59, Nº3, pag. 242-248

4 UFF - Fisiologia do sistema reprodutor feminino

5 CAMERON, E. L.; Pregnancy and olfaction: a review, Front. Psychol., Vol. 5, article 67

6 MACIEL, L. M. Z.; MAGALHÃES, P. K. R.; Tireóide e Gravidez, Arq. Bras. Endocrinol. Metab., Vol. 52, Nº7, pag. 1084-1095

7 FREEMAN, M. E.; KANYICSKA, B.; LERANT, A.; NAGY, G.; Prolactin: Structure, Function, and Regulation of Secretion, Physiological Reviews, Vol. 80, Nº 4, pag. 1523-1631

8 UFRGS - As prostaglandinas na reprodução

9 LEE, H.; MACBETH, A. H.; PAGANI, J.; YOUNG, W. S.; Oxytocin: the Great Facilitator of Life, Prog. Neurobiol., Vol. 88, Nº 2, pag. 127–151

 

 

Veja também