NO corpo

A QUÍMICA DA PAIXÃO

 

A Paixão é provavelmente o sentimento mais intensamente inexplicável e confuso que se pode sentir. Como a Química do organismo faz esse rio maluco correr?

 

Por Carlos Vinícius Pinto dos Santos

 

Figura 1 - A expressão "rolar uma química" tem mais verdade do que parece

Imagem: Desconhecido, O Mundo da Química não detém direito sobre esta imagem

 

A paixão é, essencialmente, uma maneira inequívoca que o organismo humano tem de garantir a passagem de seus genes para uma nova geração, mantendo assim a continuidade da espécie. Paixão e amor são sentimentos diferentes, que podem ocorrer em momentos diferentes e, em geral, envolvem diferentes mecanismos sociais e bioquímicos.

 

O amor é um sentimento complexo e que precisa de muito investimento pessoal, tempo, respeito, confiança e altas doses de autoconhecimento. A paixão pode te consumir como chama e ir embora despretensiosamente poucos meses depois. A fase da paixão é importante por vários motivos, desde a empolgante euforia ao contínuo conhecimento da outra parte, mas principalmente para que haja energia e vontade para construir as bases onde o amor será formado, permitindo assim que a relação seja duradoura.

 

As fases da paixão

 

Fase 1 - Desejo

 

O desejo sexual é uma experiência sensorial, seja pela visão, olfato ou tato. Os hormônios envolvidos mais conhecidos são a testosterona e os estrogênios.

 

Figura 2 - Estruturas químicas da testosterona (esquerda) e do 17-α-estradiol (direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

Apesar de a testosterona ser um hormônio essencialmente masculino, também está presente nas mulheres, assim como estrogênios são encontrados normalmente em baixas quantidades em homens. A testosterona é associada ao desejo em ambos os sexos, sendo que o sexo pode elevar seus níveis séricos.

 

Naturalmente, homens têm níveis elevados de testosterona no sangue, mas também possuem vestígios na saliva1. Assim, uma boa troca de beijos, além de oferecer estímulo físico e psicológico, pode acender bioquimicamente o desejo de sua parceira.

 

 

Fase 2 - Atração

 

Os estágios iniciais de se apaixonar ativam sua resposta ao estresse, aumentando seus níveis sanguíneos de adrenalina (epinefrina) e cortisol. Isso gera os clássicos efeitos de boca seca, suor nas mãos e taquicardia quando encontra com um pretendente. Outra possível substância envolvida é a noradrenalina (norepinefrina). Este hormônio envolvido com o estresse aumenta o ritmo cardíaco e pode ser a razão que te faz sentir perturbado e com um estranho calor quando a pessoa especial está próxima.

 

Figura 3 - Estruturas químicas da adrenalina (esquerda) e da noradrenalina (direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

Casais apaixonados têm altos níveis de neurotransmissores de dopamina, um hormônio associado à sensação de recompensa2. A dopamina, por sua vez, estimula o sistema nervoso central a produzir mais adrenalina, que está associada a dependências e vícios3. Esse ciclo bioquímico desencadeia uma corrida pelo prazer, tendo efeito semelhante ao uso de drogas como nicotina e cocaína.

 

Muitas vezes casais mostram sinais de afluência dopamina no aumento geral de energia, com menor necessidade de sono ou comida, atenção concentrada e deleite dos pequenos detalhes das situações. Muitas vezes causa a idealização de seu parceiro, ampliando suas virtudes e explicando plenamente suas falhas, além de exaltar o próprio relacionamento.

 

A dopamina controla a Química do prazer no cérebro. É a responsável pelo sentimento de euforia e energia, característicos dos casais apaixonados. O sentimento de que uma pessoa é especial e o faz concentrar sua atenção nela é um dos efeitos da ativação do sistema da dopamina. Pode estar presente tanto no início quanto ao longo da relação.

 

Figura 4 - Estruturas químicas da dopamina (esquerda) e da serotonina (direita)

Imagem: O Mundo da Química

 

A serotonina4 é uma das substâncias mais importantes para a paixão, literalmente mudando sua maneira de pensar.

 

Uma pesquisa5 avaliou vinte casais com menos de seis meses de relação e que estavam loucamente apaixonados. Ao analisar suas amostras de sangue, foi descoberto que os níveis de serotonina dos novos amantes eram equivalentes aos baixos níveis de serotonina em pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Isso ajuda a explicar a obsessão característica da paixão, fazendo a expressão "doente de amor" ter pleno respaldo bioquímico.

 

 

Fase 3 - Afeição

 

A afeição é o vínculo que mantém os casais juntos o suficiente para ter e criar seus filhos. É nessa fase que a paixão tem chance de se transformar em amor, onde pode haver dois principais hormônios envolvidos nessa etapa: a ocitocina e a vasopressina.
 

A ocitocina está relacionada à formação dos sentimentos de confiança e fidelidade6, promovendo a intimidade.

 

Os níveis de ocitocina têm papel fundamental na posterior gestação, promovendo as contrações durante o parto, a produção de leite e criando os fortes laços entre mãe e filho a cada amamentação7.

 

Figura 5 - Estrutura química da ocitocina

Imagem: O Mundo da Química

 

A ocitocina pode ser liberada por ambos os sexos durante o orgasmo. Ela aprofunda os sentimentos de carinho e faz com que o casal se sinta muito mais próximo após as relações sexuais. A priori, quanto mais relações sexuais, mais profundo o vínculo do casal se torna.

 

A vasopressina, ou hormônio antidiurético, é um hormônio que faz os rins reduzirem o volume de urina, conservando assim água no corpo e também aumenta a pressão sanguínea por vasoconstrição. Além de quadro de desidratação, a vasopressina é liberada após o sexo, atuando na fase de compromisso de longo prazo junto com a ocitocina8, 9. Sua função em relacionamentos de longo prazo foi descoberta quando os cientistas analisaram a ratazana da pradaria. Quando machos de ratazana da pradaria tiveram o efeito da vasopressina suprimido10 o vínculo com o seu parceiro se deteriorou imediatamente, como se tivessem perdido sua devoção amorosa e acabou por falhar em proteger seu parceiro de novos pretendentes.

 

Figura 6 - Estrutura química da vasopressina

Imagem: O Mundo da Química

 

 

Feromônios Humanos - Siga seu Nariz

 

Feromônios são substâncias que transmitem informações químicas e induzem uma série de comportamentos em animais e são muitas vezes utilizados para o acasalamento. Em humanos, apesar da grande especulação, não há provas definitivas de sua existência.

 

Os feromônios são conhecidos em outros mamíferos, especialmente em roedores. Eles possuem o órgão vomeronasal, também chamado de Órgão de Jacobson, dentro de seus narizes e o usam para detectar feromônios na urina de outros ratos para compreender as relações sociais, identificar o sexo de seus pares e encontrar um companheiro. Esse órgão existe durante a fase de feto em humanos, mas aparentemente não é desenvolvido. Assim, os seres humanos poderiam responder a feromônios, apesar do assunto ainda ser controverso11.

 

Os ratos têm diferentes feromônios na urina, a depender da composição do seu sistema imunitário. Quando os ratos escolhem um companheiro, eles devem evitar os parceiros com um sistema imunitário muito semelhante ao seu próprio, de modo que seus filhotes possam combater uma gama de infecções maior. Os feromônios também são encontrados no suor.

 

Em 1995, Claus Wedekind e equipe12 pediram a um grupo de mulheres para cheirar algumas camisetas sujas usadas por homens diferentes. O que foi descoberto foi que as mulheres preferiam consistentemente o cheiro de homens cujo sistema imunológico era diferente do seu. Isso se compara ao que acontece com roedores, que conferem quão resistente seus parceiros são a doenças por cheirar seus feromônios. É um dos indícios de que os humanos, de alguma forma, também reconhecem feromônios.

 

Os animais reconhecem universalmente o Complexo Principal de Histocompatibilidade (ou MHC de Major Histocompatibility Complex), mas seu estudo é difícil em humanos. Em estudo13 de 2002 foi observado que mulheres estão predispostas a buscar odores que se assemelham ao do seu pai. Um homem com esse odor e, consequentemente um grupo de genes responsáveis, seria geneticamente semelhante o suficiente para que sua descendência tenha um sistema imunológico experimentado e testado. Por outro lado, seria diferente o suficiente para garantir uma vasta gama de genes de imunidade. Parece haver um esforço inconsciente para chegar a um equilíbrio entre um sistema seguro e outro desconhecido geneticamente para prover filhos melhor preparados imunologicamente.

 

Portanto, agora que já conhece alguns segredos Químicos do amor preste mais atenção aos olhares e cheiros antes de fazer sua ligação covalente!

 

Referências

 

1 SPERANDIM, C. G.; FREITAS, C.G.; LOPES, R. A. R.; ARRUDA, A. F. S.; ANDRADE, R. M.; FRANCISCON, C.; BORIN, J. P.; MOREIRA, A.; Relação entre desempenho neuromuscular e concentração de testosterona salivar em jovens jogadores de futebol de campo, Escolade Educação Física e Esporte, USP

2 STRATHEARN, L.; LI, J.; FONAGY, P.; MONTAGUE, P. R.; What’s in a Smile? Maternal Brain Responses to Infant Facial Cues, Pediatrics, Vol. 122, Nº 1, pag. 40–51

3 GORDON, J.; BARNES, N. M.; Lymphocytes transport serotonin and dopamine: agony or ecstasy?, TRENDS in Immunology, Vol. 24, Nº 8, pag. 438-442

4 MARAZZITI, D.; ROSSI, A.; GIANNACCINI, G.; BARONI, S.; LUCACCHINI, A.; CASSANO, G. B.; Presence and Characterization of the Serotonin Transporter in Human Resting Lymphocytes, Neuropsychopharmacology, Vol. 19, pag. 154–159

5 MARAZZITI, D.; BARONI, S.; Romantic Love: The Mistery of its Biological Roots, Clinical Neuropsychiatry, Vol. 9, Nº 1, pag. 14-19

6 LEE, H.; MACBETH, A. H.; PAGANI, J.; YOUNG, W. S.; Oxytocin: the Great Facilitator of Life, Prog. Neurobiol., Vol. 88, Nº 2, pag. 127–151

7 STRATHEARN, L.; FONAGY, P.; AMICO, J.; MONTAGUE, P. R.; Adult Attachment Predicts Maternal Brain and Oxytocin Response to Infant Cues, Neuropsychopharmacology, Vol. 34, pag. 2655–2666

8 KELLY, A. M.; GOODSON , J. L.; Hypothalamic oxytocin and vasopressin neurons exert sex-specific effects on pair bonding, gregariousness, and aggression in finches, Proceedings of the National Academy of Sciences, Vol. 111, Nº 16, pag. 6069–6074

9 HEINRICHS, M.; DOMES, G.; Neuropeptides and social behaviour: effects of oxytocin and vasopressin in humans, Progress in Brain Research, Vol. 170, pag. 337-350

10 WILLIANS, A. R.; CAREY, R. J.; MILLER, M.; Altered emotionality of the vasopressin-deficient Brattleboro rat.,  Vol. 6, Nº 1, pag. 69-76

11 GRAMMERA, K.; FINKA, B.; NEAVE, N.; Human pheromones and sexual attraction, European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology,Vol. 118, Nº 2, pag. 135-142

12 WEDEKIND, C.; SEEBECK, T.; BETTENS, F.; PAEPKE, A. J.; The Intensity of Human Body Odors and the MHC: Should We Expect A Link?, Evolutionary Psychologym, Vol. 4, pag. 85-94

13 JACOB, S.; MCCLINTOCK, M. K.; ZELANO, B.; OBER, C.; Paternally inherited HLA alleles are associated with women's choice of male odor, Nature Genetics, Vol. 30, pag. 175-179

 

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