NO CORPO

A QUÍMICA Da FECUNDAÇÃO

 

A geração de vida é algo que, apesar das últimas descobertas, ainda não está totalmente desvendada. Quais são as últimas evidências da fecundação?

 

Por Carlos Vinícius Pinto dos Santos

 

Figura 1 - Os processos químicos envolvidos na fecundação começam a ser revelados

Imagem: Desconhecido, O Mundo da Química não detém direito sobre esta imagem

 

 

O início da vida

 

A formação e desenvolvimento do zigoto pela união do espermatozoide e óvulo são conhecidos, pelo menos, desde 17591. Mas, o mecanismo bioquímico envolvido só começou a ser elucidado no começo deste século.

 

Dentre outras camadas, o óvulo é circundado por uma camada glicoprotéica conhecida como zona pelúcida. Após a passagem pela camada mais externa, a coroa radiata, o espermatozoide deve vencer a barreira imposta pela zona pelúcida para iniciar o processo de fusão plasmática.

 

Figura 2 - Óvulo: zona pelúcida e coroa radiata

Imagem: Desconhecido, O Mundo da Química não detém direito sobre esta imagem

 

Ao analisar a zona pelúcida através de diferentes técnicas de espectrometria de massas, à procura de carboidratos relevantes à ligação espermatozoide-óvulo, um grupo de pesquisa liderado por ingleses descobriu2 em 2011 uma sequência de sialil-Lewisx que interfere na ligação espermatozoide-óvulo. O sialil-Lewisx de sequência [NeuAca2-3Galb1-4(Fuca1-3)GlcNAc] é uma selectina bem conhecida, sendo a sequência terminal mais abundante em N- e O-glicanos humanos da zona pelúcida. No estudo, a ligação espermatozoide-zona pelúcida foi largamente inibida por glicoconjugados em solução terminados com sequências de sialil-Lewisx ou por anticorpos dirigidos contra esta sequência. Assim, conclui-se que a sequência de sialil-Lewisx representa o principal carboidrato de ligação na zona pelúcida. Entretanto, alguns espermatozoides ainda se ligaram à zona pelúcida, indicando que poderia haver uma proteína desconhecida atuando na identificação e ligação do espermatozoide.

 

Figura 3 - Estrutura química do sialil-Lewisx

Imagem: O Mundo da Química

 

Em 2005, pesquisadores japoneses3 identificaram uma proteína no acrossoma (cabeça do espermatozoide) que continha um domínio semelhante ao de imunoglobulina e resíduos de cisteína se especula formar uma ponte dissulfeto. A batizaram de izumo, sendo responsável por sua identificação ao óvulo. Na verdade, izumo forma uma família de proteínas, possuindo um domínio de imunoglobulina (Ig) e outro N-terminal, entretanto suas funções específicas e a codificação ainda são desconhecidas.

 

Figura 4 - Tipos de proteína izumo

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Finalmente em 2014, uma equipe britânica4 identificou uma proteína receptora - receptor de folato-4 (Folr4) -, batizada de juno e localizada na zona pelúcida, que faria a contraparte de izumo na identificação extracelular em chave-fechadura. Após uma acoplagem bem sucedida, o espermatozoide se integra totalmente ao óvulo, enquanto que a proteína juno desaparece rapidamente da superfície para evitar uma acoplagem adicional, ou seja, evitar uma segunda fusão, sendo esta a primeira ação do organismo para diminuir a ocorrência de gêmeos.

 

Figura 5 - Interação juno-izumo durante a fecundação

Imagem: Desconhecido, O Mundo da Química não detém direito sobre esta imagem

 

Quando o espermatozoide faz o complexo proteico, de estrutura ainda não elucidada, é induzida a reação acrossômica: liberação das enzimas contidas no acrossoma, permitindo a penetração do espermatozóide através da zona pelúcida até a membrana citoplasmática do ovócito. Quando as membranas citoplasmáticas do espermatozoide e do ovócito entram em contato , ocorre a reação cortical: exocitose das enzimas dos grânulos corticais localizados na periferia do ovócito. Essas enzimas induzem ligações cruzadas permanentes entre as glicoproteínas, provocando a inativação dos receptores e endurecimento da outrora camada gelatinosa. Essas reações em cadeia impedem a penetração de outro espermatozoide (polispermia) no ovócito, sendo um meio adicional usado pelo organismo para diminuir a ocorrência de gêmeos.

 

Com a fusão entre as membranas citoplasmáticas, o conteúdo genético do espermatozoide (pró-núcleo masculino) e o do ovócito (pró-núcleo feminino) são fundidos e consequentes clivagens ocorrem, do agora zigoto, seguida pela especialização das células e de seu amadurecimento.

 

Referências

 

1 WOLFF, C. F.; Theoria Generationis, 1759

2 PANG, P.;  CHIU, P. C. N.; LEE, C.; CHANG, L.; PANICO, M.; MORRIS, H. R.; HASLAM, S. M.;  KHOO, K.; CLARK, G. F.; YEUNG, W. S. B.; DELL, A.; Human Sperm Binding Is Mediated by the Sialyl-Lewisx Oligosaccharide on the Zona Pellucida, Science, Vol. 333, Nº 6050, pag. 1761-1764

3 INOUE, N.; IKAWA, M.; ISOTANI, A.; OKABE, M.; The immunoglobin superfamily protein Izumo is required for sperm to fuse with eggs, Nature, Vol. 434, pag. 234-238

4 BIANCHI, E.; DOE, B.; GOULDING, D.;  WRIGHT, G. J.; Juno is the egg Izumo receptor and is essential for mammalian fertilization, Nature, Vol. 508, pag. 483–487

 

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